Não me lembro de ter um elogio da parte da minha mãe. Estava sempre abaixo das expectativas, podia ser mais girly ou mais sensual ou mais hábil de mãos. O supremo da humilhação foi um dia perguntarem se a minha mãe era minha filha. Juro. Nunca me senti tão mas tão patinho feio. Sentimento que me acompanha até hoje, o de não ser capaz, não chegar a essa meta inverosímil, não ter segurança e confiança em mim mesma e pior é acabar em situações que me deixam na corda bamba, (...)
Voltei ao ativo feliz da vida e esperançosa de ter estabilidade por uns tempos. Voltei para ser diferente, para desta vez ser melhor, ia ser melhor, eu já não era a mesma. Esse é o ponto. Desde o início do ano que são pressões atrás de pressões, estabiliza a depressão, tens de ser mais rápida, tens que fazer por valer a oportunidade que te foi dada. E tantas e tantas vezes a lágrima escapa, pela frustração de não ser o que eles querem, de sentir e saber lá no fundo que no (...)
Vejo-me obrigada a controlar a depressão. Ou isso ou vou para o olho da rua. Falam da doença como se fosse linear, simples e a mesma coisa. Mas não é. E ninguém quer saber. Puseram-me uma lâmina a pairar sobre a cabeça e agora o corpo somatiza. Problemas digestivos, intestinais, sonhos sem nexo. E vejo-me obrigada a ir penar para aquele sítio. Ninguém quer saber. Não vale a pena explicar. Com tanto doente mental admira não haver um estatuto que nos proteja de alguma maneira. Ou (...)
Aqui sossegadita no sofá, com a medicação tomada, manta nas pernas, cabeça cansada. Pijama e roupão polar. Tom e Jerry antes de ir para a cama. Cabelo solto. O sono a espreita. E em mim ainda ressoam as palavras do chefe, que fez de mim sub-sub-sub-chefe. A minha sorte é conseguir rir de mim mesma e quando me vejo equipada para trabalhar não me reconheço. Não tenho ambição de poder. Não me sinto poderosa. Não me sinto mais que ninguém. Só que lá consigo ser correta e (...)
Trabalho na agricultura. Não tenho licenciatura em nada,conclui o secundário com uma média simpática. Gostava de ter sido jornalista. Achava que tinha jeito para a escrita, só mais tarde percebi que não sabia (e não sei) contar histórias. Perdi as esperanças de viver dos meus sonhos. Agarrei-me ao que havia, trabalho no campo, e por lá continuo. Tenho um colega que é aluno de mestrado. Fez o caminho ao contrário. Foi parar ao campo para ajudar ao orçamento. Diz que a vida (...)
Não estou a conseguir entrar no espírito natalício. A vida vai torta, está tudo caro. Até o barato está caro. Não há tempo para quase nada. O trabalho tornou-se exigente e absorvente. Sinto-me cansada. Sinto-me triste. Não é altura para isso, devia andar feliz a saltitar entre lojas a escolher presentes e a ver as iluminações por aí... Até porque vai ser a primeira vez em muitos anos que vou estar a trabalhar na véspera e no pós dia de Natal. E isso é deprimente. Muito (...)
Já tenho material para escrever uma série de espionagem. A complexidade dos vários caracteres é interessante, mas cansativa. Um olhar, uma palavra inocente pode mandar uma reputação abaixo. Ou revelar particularidades de feitio. Ou fazer a pessoa tirar as garras. Psicologia aplicada à viticultura. Santa psicóloga que me desfaz estes nós e me faz ver as coisas doutro ângulo. É difícil medir as palavras, ser irrepreensível. É difícil não poder confiar. Mas, no fim de contas (...)
Tenho ideias pré-concebidas que aos poucos vão esmorecendo. Tenho complexos até mais não. Sou mais dura comigo do que com os outros. Sou uma idiota que acha que tudo de mal no mundo é culpa minha. Com o meu nascimento estragou-se tudo. Como se eu tivesse essa relevância. Como se não existesse mais ninguém no mundo. Ou eu ser a única a ter defeitos. Ser um poço infindável de defeitos onde não se aprende nada. Não tenho que se aproveite. Sou um desperdício vivo de troca de (...)
Não consigo enturmar. Não consigo entrar em grupos, integrar-me plenamente nas equipas. Era a nerd meio rebelde meio ovelha negra na escola. Trocava as pessoas pelos livros. As aulas pelos corredores da biblioteca. E o pior é que tento de tudo, quase me anulo mas nem assim. Sinto-me um repelente de pessoas. E agora no trabalho deparo-me mais uma vez com o meu velho problema. Sou a trabalhadora da casa no meio de uma equipa de fora. Sou educada, tento entrar nas conversas, divertida q.b. (...)
Duas semanas completas de trabalho. Duas. Parece mentira mas não é. Para quem achava que não me ia aguentar, aguentei. E isto já ninguém me tira! A primeira semana foi uma lua de mel, o trabalho fluia, sway away, dance with me versão apanha da azeitona. Grupo pequeno, mais fácil de conhecer toda a gente, de entender o funcionamento das coisas ao de leve. A segunda semana... bem, parece que levei um banano na segunda, um pontapé nas canelas terça-feira, um braço estalado na (...)