É muito mais do que escrutinar a nossa vida. É perceber a influência do passado no presente. É curar as feridas. É não ter medo de nos conhecermos a fundo, reconhecer as qualidades e assumir o lado sombrio. Esquecer a busca da perfeição. Assumir a própria personalidade, sem tretas. E isso é tão libertador...
Tenho ideias pré-concebidas que aos poucos vão esmorecendo. Tenho complexos até mais não. Sou mais dura comigo do que com os outros. Sou uma idiota que acha que tudo de mal no mundo é culpa minha. Com o meu nascimento estragou-se tudo. Como se eu tivesse essa relevância. Como se não existesse mais ninguém no mundo. Ou eu ser a única a ter defeitos. Ser um poço infindável de defeitos onde não se aprende nada. Não tenho que se aproveite. Sou um desperdício vivo de troca de (...)
A terapia tem-me ajudado a olhar para momentos insignificantes do passado com outros olhos, como chave ou explicação para algumas situações do presente. Tenho feridas saradas que jamais pensei conseguir curar. Medos e ideias feitas que se foram. É bom ter quem nos oiça. É bom ser entendida e, sobretudo, compreendida. É doloroso. Mas vale a pena. Mesmo. Tenho um transtorno alimentar. Isso já sabia. Sempre descontei tudo na comida. Ter a barriga bem cheia calava a dor, fazia-me (...)
Que é difícil expurgar a dor. Que não consegue lidar com coisas do passado. Que o passado fica lá atrás, longe. Mas o que não ficou resolvido, anda connosco. Em forma de gatilhos, de pesadelos, de um vazio constante... E dói. Claro que dói. Uma vez ouvi que cada um lida com os demónios do passado como pode. Bebida, drogas, violência, vivendo no limite... Sempre em busca da fuga. E por experiência própria digo, a fuga não funciona.
Trocava a minha vida pela da minha mãe. Quem devia ter sobrevivido era ela, não eu. A minha mãe estava á minha espera, uma casa em construção, tudo em andamento. O derrame cerebral aconteceu... e foi preciso tocar a vida p'ra frente. Eu era bebé, não senti nada, não sofri. Mas ganhei um fardo auto-imposto para o resto da vida: a comparação. O querer ser como ela. Nunca me achar boa. Por vezes, nem me achar gente... Queria morrer porque a realidade me doia a cada dia na pele. (...)
Uma colherada, penso nas contas pagas, no aroma da casa limpa. Segunda colherada, duas ninhadas de gatos que comem que dá gosto ver comer. Terceira, quarta,quinta até à última colherada, abstraio o olhar e viajo nem sei para onde,talvez para lugares onde já fui feliz, pessoas a quem devo um pedido de desculpas mas perdi contacto , pessoas de quem sinto falta... Não é tudo mau, há um caminho a percorrer nem sempre fácil , tortuoso,de descoberta de sentimentos que desconhecia por (...)