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o lado negro da princesa

o lado negro da princesa

Querida filha

30.06.25, Mary

Sê forte. Não leves a peito tudo o que dizem. Não confies demasiado, pra teu próprio bem. Guarda a piada para ti, o comentário em forma de alfinetada, a língua afiada. Protege-te. Não te exponhas demasiado para tua própria segurança. Depois do erro cometido, é difícil dar a volta. Depois de deixares transpor certas barreiras, já foste. És mulher, és o teu corpo e a tua mente. És mulher num mundo cada vez mais machista. Tens a honra de ser mulher. Só por isso já és especial. Só por isso já és valente. Vai.

Vestido negro

29.06.25, Mary

O vestido roça ligeiramente no empedrado. Rouba uma rosa algures no caminho, observada pelo dono, que fica como que hipnotizado. O passo seguro, quase em sintonia com o bater do coração. O bater da vida. Já quis deixar de desviver. Nessa altura no vestido estava pendurado no armário, as rosas só as via nos quadros e a vida que se lhe escapava na tristeza, na apatia, na segurança de casa. Quando se virou perante o abismo, olhou em volta. Absorveu a tranquilidade da paisagem, chorou desalmadamente mas foi incapaz de avançar perante o penhasco. Por isso hoje passeia-se de vestido a roçar a calçada, levanta a cabeça e olha o céu. Deu a volta por cima e isso não tem preço. 

Profissão: fofoqueira em part-time

26.06.25, Mary

Acho que foi desta  que deixei a vida de fofoca de vez. Eu, munida da minha língua afiada, descasco toda a gente e mais alguma. Eu, e o meu olhar detalhista, catrapisco o que não salta logo a vista. Eu, que o meu sonho era ser comentadora de social na Tv. Eu, que cometo um gigantesco erro crasso: confio na confidencialidade do meu interlocutor. O que deu no quê: virei bode expiatório. Que maravilha de situação tão embaraçosa de se enfrentar, principalmente se se for confrontado com o que eu disse, mãos ao ar e agora desenrasca-te. O pensamento implodiu desde então, gerir o choque interno e continuar como se nada acontecesse. Nunca falei sozinha, mas não dá jeito a outra parte contar o resto do diálogo.... é a burra sou eu! Até porque me esqueço de boa parte das conversas, tal a importância delas na minha vida. Achei que estava a construir uma pequenina base de segurança no trabalho. Não vou ser capaz confiar em ninguém ali...

Caminhando

25.06.25, Mary

Se algum dia conseguir ser feliz na plenitude, vai ser estranho. Quero muito que esse dia chegue, finalmente sem amargura nem sombras nem gatilhos, inseguranças, tendências inconscientes. Suicídio como escape. Dor. Medo, sempre tão presente. Olhar em frente com esperança, sem temer o futuro. Quando entra areia na ostra, ela forma uma pérola. Portanto há muito trabalho interno a fazer, monstros a enfrentar... e talvez saia disto com a graciosidade duma pérola, no meu caso, negra.

Desabafo laboral

24.06.25, Mary

É nos tantos e entretantos da vida, nos meandros do destino, no karma que não falha, na oração feita de fé e com feita com fé, é no dia seguinte que vai ser melhor, na lei do retorno, da confiança da justiça divina, na temperança que nos agarramos em dias maus. Que são apenas dias maus,  tudo é efémero, tudo pode dar uma reviravolta num piscar de olhos. Tudo muito certo mas.... porque é que os chicos-espertos acabam sempre bem? Ser trafulha dá direito a imunidade das tretas do dia a dia? Compensa ser lambe-botas? Tento agarrar-me a esperança, mas é difícil.  Não quero grandezas, só quero bom ambiente no trabalho....é pedir muito?

Blue jeans

23.06.25, Mary

Antes de mais, muito obrigada a equipa da Sapo pelo destaque. Foram só uns stilletos,que me magoaram os pés, mas pronto, foi mais uma história para contar. Nunca soube lidar com a minha feminilidade. Acabei por adoptar o estilo t-shirt, jeans e sapatilhas quechua, que não é muito diferente do que uso no trabalho.  Só muda o calçado- nada de Manolo Blatnik- mas umas botas Lavoro, tamanho 42, que me amortecem o andar, que são claramente masculinas, altamente úteis. Tento passar o máximo despercebida, nada de roupa muito justa. Quem já sofreu assédio no trabalho defende-se como pode. Numa próxima vez, desenvolvo o assunto. Hoje é para comemorar. Viva o S.João, viva os saltos altos! Yeeee

 

Manolo Blatnick , tamanho 41

22.06.25, Mary

Hoje calcei uns sapatos de salto alto pela primeira vez na vida. Tamanho 41, pé de trator ( peito do pé alto e largo). Não me passou pela cabeça que o meu calcanhar entrasse naquela parte de trás tão estreita. Mas entraram. E caminhei um bocadinho com eles. O hôme estava com medo que me esbardalhesse. E eu que acabasse com um pé torcido. E o mais surpreendente foi a sensação de empoderamento que senti naquele. Aqueles sapatos, em teoria, não são para mim. Na prática, servem. Adorava saber andar com eles, porque aquele caminhar meio robótico não dá. Calcei uns stilletos e amei. Já as sabrinas e as alpergatas não há hipótese. Ah, e já agora tamanhos maiores para mulher. Nem todas temos pezinho de Cinderela. Plus size para calçado, sei lá. Pé grande também precisa de andar bem confortável e elegante. 

O tanque

21.06.25, Mary

Já são poucas as aldeias que têm lavadouros, aqueles tanques enormes de lavar a roupa. E ainda menos quem os use. Perdeu-se o sentimento de comunidade, a política divide famílias, amizades, luta-se por um mínimo centímetro de chão, vai-se a tribunal, acontecem desgraças... Em terra de cegos, quem tem um olho é rei. Em terra de pobreza, ter poder faz toda a diferença. Tive a sorte de crescer numa família onde não havia fanatismo nem invejas de cargos. Nem íamos nas caravanas. Nem aos comícios.  Tínhamos um tanque em casa, o lavadouro ficava longe e o gado ia lá muitas vezes beber água. Hoje em dia está abandonado... Toda a gente tem máquina de lavar roupa, poucos sabem lavar a mão. Mas, num dia mau ir lavar é uma catarse. Damos uma tareia á roupa que no fim já não sabemos qual era o problema. As diferenças entre sabão azul, cor de rosa e clarim. Saber dissolver o omo na água para não ficar na roupa. Pôr roupa a cora- ensaboar e pôr ao sol para ajudar na lavagem. Perdi a conta às vezes que engranhei as mãos. E apanhei frieiras. E o quanto me doiam. Agora visto de longe, até dá saudades. E se naquela altura achava que me restava a eternidade ali, não sabia de todo o que a vida tinha guardado para mim. Longe disso. 

O tempo não espera

20.06.25, Mary

E tem sido cruel comigo. A doença veio depois de um acidente de trabalho num sítio onde detestava estar, onde era mal vinda desde que pus lá os pés num primeiro dia de quase dois anos e meio. Na altura sentia-me com coragem para enfrentar tudo e todos, nada me afectava (achava eu!). Eu ia sair gloriosa da situação e a outra colega ia embora. Final feliz. E efectivamente ela foi embora, no dia seguinte foi o meu último dia lá. Ironias... Depois passei meses sem querer ver ninguém, sair de casa era um suplício. Não queria ser julgada por olhares ou bitaites alheios. Era a minha dor e estava a proteger-me o melhor que pude e sabia.

O tempo de paragem deixou estragos. Perdi agilidade, ganhei corpulência. Deixei de ser reativa. No emprego seguinte deixei-me pisar e deu asneira. Acabei mandada para casa, 6 meses depois e após falharem todas as tentativas deles para que me despedissem. Resisti, nem sei como.  Voltei a mudar de ares e a falta de agilidade deixa-me insegura. Ando sempre a tentar apanhar sinais positivos ou negativos, com medo... É difícil conseguir superar as expectativas dos outros, que nem sei quais são. Mais difícil é chegar a casa satisfeita pelo trabalho que fiz. Parece sempre pouco, não sei.... 

Vida de cão

17.06.25, Mary

Deixa o mundo lá fora. Sacode as botas, larga o fato-macaco. Fuma um cigarro à estupidez dos teus colegas. E a mesquinhez. E ao mau feitio. Cláusulas que não vêm no contrato mas estão subentendidas. Faz parte. A gente sabe. É lidar, é tentar lidar, é ter o sos à mão para não panicar, é saber mandar passear sem usar palavrões, se bem que são uns cabrões. É pior lidar com os colegas do que com a chefia, por mim falo. Os lambe botas, essa estirpe de colegas sebosos, são quase o FBI do boss. Ou são mesmo. E aqueles colegas que estragam o ambiente, conseguem deixar o resto da equipa constrangida a ponto de ninguém abrir o pio. Tive um dia terrível no trabalho, nota-se muito? That's it. Fuck you to everyone!

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