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o lado negro da princesa

o lado negro da princesa

O tempo entre videiras

27.11.24, Mary

Já tenho material para escrever uma série de espionagem. A complexidade dos vários caracteres é interessante, mas cansativa. Um olhar, uma palavra inocente pode mandar uma reputação abaixo. Ou revelar particularidades de feitio. Ou fazer a pessoa tirar as garras. Psicologia aplicada à viticultura. Santa psicóloga que me desfaz estes nós e me faz ver as coisas doutro ângulo. É difícil medir as palavras, ser irrepreensível. É difícil não poder confiar. Mas, no fim de contas ali toda a gente tem um único objetivo: ganhar dinheiro. Sem olhar a meios. E assim se passa o tempo entre videiras, com frio,nevoeiro e orvalho a compor a paisagem.

Sombrio

24.11.24, Mary

Do muito que podia ter para dizer, ia ficar sempre uma tristeza dissimulada, escondida em palavreado mais cinzento, menos solar, mais opaco. Do muito do que digo no dia a dia tenho medo de ser mal interpretada, mal falada nas costas, que dêem um segundo sentido ao que não tem.As pessoas retorcem as palavras, tiram-lhes a emoção e dão-lhe a frieza de uma informação, o excitex de um mexerico,a maldade de saber que aquele comentário, mais tarde ou mais cedo vai ferir a pessoa. As palavras podem virar a vida de muitos de pernas para o ar. A entoação pode magoar. A intenção boa fica a pairar no ar, mas... o mal está feito. Trago cicatrizes ainda por sarar. Trago uma fragilidade que me é natural, por muito estranho que pareça. Sou idiota, é um facto. E as palavras magoam-me à brava.

O lado negro da princesa

19.11.24, Mary

Tenho ideias pré-concebidas que aos poucos vão esmorecendo. Tenho complexos até mais não. Sou mais dura comigo do que com os outros. Sou uma idiota que acha que tudo de mal no mundo é culpa minha. Com o meu nascimento estragou-se tudo. Como se eu tivesse essa relevância. Como se não existesse mais ninguém no mundo. Ou eu ser a única a ter defeitos. Ser um poço infindável de defeitos onde não se aprende nada. Não tenho que se aproveite. Sou um desperdício vivo de troca de fluidos. Sou uma vítima da vida. Na minha cabeça sou isto tudo. Ponho pressão em excesso sobre os meus ombros. Quero atingir o padrão standard supremo livre de críticas. Sou o meu maior inimigo e isso é uma treta.

Estou feita.

18.11.24, Mary

Não consigo enturmar. Não consigo entrar em grupos, integrar-me plenamente nas equipas. Era a nerd meio rebelde meio ovelha negra na escola. Trocava as pessoas pelos livros. As aulas pelos corredores da biblioteca. E o pior é que tento de tudo, quase me anulo mas nem assim. Sinto-me um repelente de pessoas. E agora no trabalho deparo-me mais uma vez com o meu velho problema. Sou a trabalhadora da casa no meio de uma equipa de fora. Sou educada, tento entrar nas conversas, divertida q.b. Sinto-me como nas aulas de ed.física e era a última a ser escolhida. Mais que raio tenho de errado? Não fujam de mim...

Procurando as borboletas

16.11.24, Mary

Encontro amor em cada amanhecer. Nos bichanos a pedir o pequeno almoço e no seu ronronar. Na tranquilidade de ter a casa em ordem e poder pegar num livro sem sentir culpa. Sinto amor pela natureza, por paisagens de tirar o fôlego, tanto as que já vi como as que ainda sonho ver. Sinto amor por mim. E por isso começo a ficar cansada de tentar atear fogo onde só restam cinzas, de procurar as borboletas na barriga que um dia senti e já não sinto. De sentir desejo perante a nudez ao invés da indiferença que sinto. Ambos estamos claramente focados no trabalho. A casa é apenas o ponto de partida e chegada. Já não há lar. Não sei se há amor algures, só sei que não o sinto.

Não tão mau mas também não tão bom assim

16.11.24, Mary

Duas semanas completas de trabalho. Duas. Parece mentira mas não é. Para quem achava que não me ia aguentar, aguentei. E isto já ninguém me tira! A primeira semana foi uma lua de mel, o trabalho fluia, sway away, dance with me versão apanha da azeitona. Grupo pequeno, mais fácil de conhecer toda a gente, de entender o funcionamento das coisas ao de leve. A segunda semana... bem, parece que levei um banano na segunda, um pontapé nas canelas terça-feira, um braço estalado na quarta, bater com o mindinho na quinta feira e ontem foi o verdadeiro k.o.! Mais gente, mais olhares de lado, menos empatia, mais competição. Um trabalho mais complexo e que envolve paciência e atenção. Fazer formação de vinha...quem sabe do assunto entende-me. Juntou-se a isto tudo a pressão de querer fazer bem feito e mostrar boa qualidade de trabalho... cedi, desfiz-me em choro, fui apoiada pela chefia, voltou tudo ao lugar. A reacção da equipa foi um afastamento discreto. Os médicos que me acompanham estavam receosos de como iria reagir neste regresso ao trabalho. Fisicamente, toda partida. Psicologicamente, ainda a fazer a avaliação de danos. That's it.

Quinta-feira, 20 de Junho de 2024

04.11.24, Mary

Naquele dia podia ter-me atirado. Pedi ajuda e ninguém me ouviu. Pedi ajuda a toda a gente e fui menosprezada. Estava mal, aos olhos de quem quis ver. E foi um último pedido de ajuda, uma enfermeira incrível que me acalmou, a psicóloga do INEM que foi fundamental. Foram outros que me salvaram, não foram os meus, foi quem me deu o ombro pra chorar, a medicação certa. E tudo se acertou. Curei aos poucos, isolei-me de todos. E está quase. Uma colega hoje contou que um parente se suicidou. Tinha uma depressão profunda. Não pediu ajuda. Ninguém viu. É fundamental pedir ajuda porque existe. Porque ninguém quer de verdade morrer. Só não quer sentir mais aquela dor ou vazio.

Notas de Outono

02.11.24, Mary

Novembro cheira a dióspiros, a castanhas, a fumeiro. Novembro é acolhedor, volta-se a acender o lume, volta a mantinha no sofá, os lençóis e os pijamas quentes. Novembro é cinzento, tristonho, mas relembra-nos o quão bom é estar em casa, em família, aquecidos pelo calor de um afago, de uma gargalhada. Cheira a azeite acabadinho de fazer, que pica na língua. A cogumelos selvagens, desde a amanita falopis (acho que é este o nome) até aos frades, tortulhos, rocos, sanchas. É em Novembro que os plátanos perdem as folhas e têm aquele aroma que me leva de volta aos tempos da primária. E este ano, pela primeira vez desde que me lembro, é mês de renovação, recomeços. Vai correr bem.