Tudo tem uma razão de ser
A terapia tem-me ajudado a olhar para momentos insignificantes do passado com outros olhos, como chave ou explicação para algumas situações do presente. Tenho feridas saradas que jamais pensei conseguir curar. Medos e ideias feitas que se foram. É bom ter quem nos oiça. É bom ser entendida e, sobretudo, compreendida. É doloroso. Mas vale a pena. Mesmo. Tenho um transtorno alimentar. Isso já sabia. Sempre descontei tudo na comida. Ter a barriga bem cheia calava a dor, fazia-me sentir melhor. Tornei-me expert em esvaziar açucareiros à colherada, com predilecção especial pelo açúcar mascavado. Só fui descoberta quando parti a tampa de um de porcelana. Desde então o açúcar ficou fechado a 7 chaves do meu alcance. Virei-me para o que havia a mão, desde mel a chocolate em pó. Só que a alturas tantas parei. Nada parecia preencher o vazio que sentia. Nada parava a dor. Ninguém ligava, cumpria a minha função de ajudar em casa, quase sempre sem brio, sem brilho, apagada como cinza. Continuei assim por muito tempo. Até sair da casa dos pais. Ganhar liberdade e reinventar-me. Cair e levantar. E hoje sei que nunca superei a saida do mano mais velho de casa. Foi isso a origem de tudo. Tinha uma vaga lembrança mas nada de certezas. Passaram 20 anos. Já não como açúcar à colherada!