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o lado negro da princesa

o lado negro da princesa

Á espera

30.09.24, Mary

Pus a melhor fita que tinha no cabelo. Sacudi o vestido, dei um retoque nas sapatilhas. O nervosismo apoderou-me de mim. Primeiro as pernas a bambolear, as mãos a suar, até começar a roer as unhas. Olhava o relógio da saleta. O tempo parecia arrastar-se em horas, minutos, segundos. Foram entrando outras candidatas, o mesmo primor no vestir, nas maneiras, até no sentar. Não tive pachorra para comparações, estava absorta demais nos meus devaneios e no meu stress. Fomos entrando, a entrevista era rápida e todas saímos radiosas. Provavelmente íamos ter todas um lugar ou o lugar. Não tive mais sinal deles. Só sei que o lugar não foi para mim.

 

I love you, i hate you

28.09.24, Mary

O tempo livre raramente é passado comigo, e quando está noto uma espécie de incómodo, não saber estar, falta hábito...resolvi virar costas à família dele porque já não dava. Não sou hipócrita, choro baba e ranho à pala deles, ou dele, ou já não sei porque uma vez foi dito à minha frente que ele ia muitas vezes sem lhe ser pedido....fiquei sem pinga de sangue naquele momento. Se tiver que falhar a alguém, sou a primeira da lista. Depois não intimidade, cumplicidade e,sobretudo lealdade e confiança. Perante as turbulências dos últimos tempos, aguentei. Foi duro, mas estou aqui. E hoje, dei por mim a questionar-me: será que tenho necessidade de aguentar isto? 

Não.

Ay amores..

25.09.24, Mary

Às vezes olho para trás e penso no que me levou a gostar de algumas pessoas, a razão de algumas paixonetas. Geralmente é a parte intelectual ou algum tipo de admiração. A melhor maneira de acabar com um amor platónico é lidar com a pessoa de perto, fora do pedestal onde nós apaixonadamente a colocámos. Houve alguns em que a carência falou mais alto. Outros a adrenalina. Ou o desejo. Ou tudo junto mais a liberdade de poder fazer o que me dava na real gana. Até me cruzar com a pessoa que até hoje mais me abanou os alicerces. Em muita coisa era o oposto, noutro acho que éramos almas gémeas. Espicaçava-me, punha a nu certas fragilidades. Desafiava-me. Fez-se gostar, fiquei caídinha por ele, mesmo sabendo de tudo o que impedia, principalmente não ser correspondida no sentimento. O tempo passou, guardei-o num cantinho da memória e por lá tem estado. Provavelmente, para sempre. 

 

Desabafos...

23.09.24, Mary

Última semana de baixa/contrato...Já me inscrevi em tudo o que é sites de emprego, estou sempre atenta a anúncios, já deixei o cv em tantos locais que qualquer dia toda a gente da vila sabe o meu nome. Tento disfarçar o desespero, que já começa a ser grande, sabia que o mercado de trabalho estava mau, nunca pensei que estivesse tão mau... nem achava que ia precisar. Mas pus a minha saúde mental em primeiro, já não quase não dormia, tremia assim que me chamavam, fora as vezes que fui posta de lado, ou que era a sombra da outra, ou a bengala, ou nada...Não era normal o que estava a viver, por isso prefiro recomeçar por muito que me custe do que só estar ali de corpo presente.

Cenas do quotidiano

18.09.24, Mary

Onde é que ficámos? Tu tinhas um brilho especial no olhar, eu sentia borboletas na barriga sempre que te via. Havia conexão. Parecia que chegámos a esta vida com tudo combinado, planeado e pronto a pôr em acção. Tínhamos sede de viver, não tínhamos medo aos kms, só a estrada e a curiosidade de chegar ao destino, pensar no próximo. O sexo era instantâneo, intenso, verdadeiro, sem desculpas e cheio de pretextos para acontecer. Fazia sentido. Eu e tu juntos fazia sentido. Depois... a rotina deu cabo de nós. Cada um no seu telemóvel, no seu mundinho, dormindo separados sem sentimento de culpa. Instalou-se o dia a dia, foi-se a magia. Veio a depressão, foi-se a libido. E os sentimentos de culpa por não dar o que não consigo dar. É ver tudo ruir e estar em transe, medicada, hipnotizada, sei lá. Sinto-te a desistir lentamente e não quero ir atrás de ti.  Não vale a pena. Sabias da doença e deram-te um vislumbre do futuro. E não te importas muito, ou nada.

Onde ficou a minha vida quando tu apareceste? É nisso que pensar. E dar a volta por cima. 

Há quem diga...

17.09.24, Mary

Que é difícil expurgar a dor. Que não consegue lidar com coisas do passado. Que o passado fica lá atrás, longe. Mas o que não ficou resolvido, anda connosco. Em forma de gatilhos, de pesadelos, de um vazio constante... E dói. Claro que dói. Uma vez ouvi que cada um lida com os demónios do passado como pode. Bebida, drogas, violência, vivendo no limite... Sempre em busca da fuga. E por experiência própria digo, a fuga não funciona.

Fibra

16.09.24, Mary

Trocava a minha vida pela da minha mãe. Quem devia ter sobrevivido era ela, não eu. A minha mãe estava á minha espera, uma casa em construção, tudo em andamento. O derrame cerebral aconteceu... e foi preciso tocar a vida p'ra frente. Eu era bebé, não senti nada, não sofri. Mas ganhei um fardo auto-imposto para o resto da vida: a comparação. O querer ser como ela. Nunca me achar boa. Por vezes, nem me achar gente... Queria morrer porque a realidade me doia a cada dia na pele. Porque não via luz em lado nenhum. Porque sempre fugi . Porque não me enquadrei em lado nenhum. Porque procurei amor e só fui usada. Porque me faltou um abraço, tantas vezes. Porque não tinha planos para nada, só existia , sobrevivia e lutava contra a vida , pela vida.... Quando lá no fundo só me queria sentir válida, igual a toda a gente... Porque não sabia o que era amor próprio até desistir de o encontrar nos outros. Porque não sabia o que era amor...

Vazios...

13.09.24, Mary

Quando volto à aldeia recordo que, das 4 casas que tínhamos de vizinhança, só uma ainda está habitada. Duas estão a venda, os herdeiros acham que as casas têm um poço de petróleo no quintal , tendo em conta o valor que pedem. Recordo as figuras, os trejeitos, as manias, o quão chatinhos eram por vezes. Quando o crepúsculo da vida os ia apanhando, o feitio melhorava,as faces tinham outra serenidade, como quem já sabe o que se segue, já vislumbra o fim... Invariavelmente, falecem em lares ou na unidade de cuidados continuados. Voltam à aldeia no caixão que desce à terra. Cá em cima ainda são vivos na memória de quem fica... Depois os herdeiros dividem tudo, deitam mão ao que podem, e vêm as guerras ,a inveja, algum sentimento de injustiça. Já não tenho o vizinho que espreitava pela entrada do correio na porta, a vizinha quase minha avó. Já não há rebanhos nem cães grandes. Já não há o vizinho que gostava de "inspecionar" terrenos alheios. Já só me restam as memórias, a minha raiz, a minha matriz. E uma vontade danada de viver tudo outra vez....

11 de Setembro

11.09.24, Mary

(Faltam 16 dias para a minha liberdade. E para o meu desemprego.) Aparte disso acho que toda a gente se lembra onde estava naquele dia, onde viu o noticiario da hora de almoço, em directo... Depois veio a invasão do Iraque, a queda do Saddam. Todos os dias ouvimos nomes de países de lá longe, cidades destruídas, e o anti-islamismo. Pensar que foi na base das Lages que muito do que sucedeu a seguir à queda das torres foi ali decidido. Acho que a dada altura toda a gente tinha um conhecido que tinha ido para o Iraque... Naquele dia, feira grande na minha terra, cheguei super feliz porque me compraram um caderno para a escola, que eu amei. Mas aquelas imagens sobrepuseram-se à minha felicidade, naquele dia...

Numa mesa de bar...

08.09.24, Mary

Não quero outros braços. Não quero outro aroma, outro charme, outro olhar acutilante para mim. Era mais fácil, tentador por vezes,mas não quero. Sei quem quero ver entrar pela porta,sem sapato fino ou gravata, sem o cabelo à moda nem terno. Conheço-lhe a cadência do passo, o olhar timido, o quanto tenta passar despercebido. Nunca consegue. Nesta mesa de bar, onde pedi uma água normal, onde ninguém pergunta se se pode sentar. Perdi o encanto de outros tempos, nem me dei ao trabalho de olhar em volta. Vou folheando o livro, ouvindo o piano como música de fundo.... É por ele que espero, aqui, em casa ou em qualquer lugar. Porque a carne não satisfaz a falta do que é verdadeiro.... É por ele que espero...

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